O jornalista Ricardo Freire já havia falado algumas vezes em suas matérias que Aracaju é a capital nordestina com mais tradição em “Mega” Festas Juninas. O problema é que ele nunca havia estado na cidade até que, a convite da Secretaria de Cultura do Estado, ele embarcou nesse arraial. O resultado foi um relato de viagem bem pessoal e animado sobre os festejos Juninos de Aracaju e cidades vizinhas.
“BOAS FESTAS
Nordestinos de todos os estados costumam descrever a época de São João como “o Natal do Nordeste”. De fato. Substitua as luzinhas (made in China) por bandeirinhas (made por aqui mesmo) e você tem uma ideia do cenário. No front gastronômico, sai o panettone e entram todas as guloseimas possíveis feitas com milho e macaxeira. Faça regime antes de vir.
Na comparação com a outra grande festa de rua do Brasil — o Carnaval e suas micaretas — a diferença não está só no tipo de música que se ouve. As pessoas se arrumam para ir ao São João. Compram roupa nova e se perfumam. Só se fantasia quem vai dançar quadrilha. Chapéu, só de vaqueiro, para compor aquele visual agroboy. Forró dos plays!
SOCORRO: FORRÓ SIRI
Na primeira noite fui conferir o Forró Siri, em Nossa Senhora do Socorro, na Grande Aracaju, a meros 15 km da capital (dependendo da rota que você escolhe, nem percebe que saiu da cidade). Ali tive o primeiro contato com um conceito desconhecido de um sulista urbano que nem eu: passado o 24 de junho, que é a celebração oficial de São João (a festa mais importante é na noite da véspera), o segundo turno das festas juninas é dedicado a São Pedro (comemorado dia 29). Isto faz com que festas como o Forró Siri possam se candidatar ao título de “Melhor São Pedro do Brasil”.
A megafesta de Socorro acontece ao lado de uma cidade-dormitório (conhecida como Conjunto Siri, por isso o nome). A prefeitura banca, junto com patrocinadores, a apresentação de grandes nomes do forró eletrônico. O povo não paga nada para assistir. É uma festa pro povão. Mas só ao chegar é que notei como eu, de bermuda e camiseta, estava inadequadamente vestido para a ocasião. Foi quando eu fiz pela primeira vez um comentário que seria recorrente nos dias seguintes: “Eita povo mais arrumado!”.
CAPELA: FESTA DO MASTRO
Na programação original, iríamos a Capela (a 70 km de Aracaju) somente no dia 29, “o” dia de São Pedro, para participar da Festa do Mastro. Esqueça tudo o que eu disse sobre se arrumar pra festa junina: a Festa do Mastro é diurna e se caracteriza pelo povo se melar uns aos outros de lama. Quando não chove nesse dia, a prefeitura joga água na terra para os foliões fabricarem munição.
Entre as cidades interioranas, o São Pedro de Capela parece ter o maior poder de atração. Turmas de jovens alugam casas pela semana inteira (e batizam com nomes hilários), o que confere à cidade um clima meio Olinda no carnaval. Coincidentemente, eu tinha uma razão especial para estar ali: morei na cidade durante seis meses, quarenta e poucos anos atrás! (Meu pai, sergipano, foi ser gerente no Banco do Brasil da cidade.) Da nossa comitiva, eu era o único local.
Bom: eu não sou o Datafolha, mas se o grau do meus óculos estiver certo eu posso dizer que o maior São Pedro do Brasil de Capela é efetivamente maior que o maior São Pedro do Brasil de Nossa Senhora do Socorro…
ESTÂNCIA: BARCO DE FOGO, ESPADAS E BUSCAPÉS
Na noite do dia 28, depois de um passeio de barco pelo estuário do rio Real, Ponta do Saco, Ilha da Sogra e Mangue Seco, fui ao mais encantador de todos os São Joões (e São Pedros) da maratona. Em Estância (90 km ao sul de Aracaju) encontrei a mistura mais equilibrada entre produção e tradição. Se você for passar o São João em Aracaju, não deixe de dar um pulinho até aqui uma noite.
A diferença do São João de Estância é, literalmente, a pirotecnia. Exibições de espadas de fogo (mas não guerras de espadas, como na baiana Cruz das Almas) fazem parte da programação diária. Há também competições de buscapés. Mas nada é tão fascinante quanto os barcos de fogo, uma invenção local.
Trata-se de um bólido que usa rojões como turbinas para escorregar por um cordão invisível à noite. Um barco movido a fogos de artifício! Pense na poesia que tem nisso.
Todas as noites os fogueteiros da cidade exibem quatro barcos de fogo ao público. É como um desfile-relâmpago de mini-carros alegóricos a jato! Totalmente hiper-mega-über-blaster espetacular.
Depois se apresentam os manipuladores de espadas de fogo. O público mantém a distância para não se queimar.
As apresentações são feitas ao lado do arraial montado na praça principal da cidade. Ali o movimento também é grande: quadrilhas e grupos folclóricos se revezam todas as noites.
O forródromo fica na saída da cidade. E além do tradicional palco para os mega-shows, tem uma arena onde acontecem as competições de fogos de artifício.
Tem campeonato de espadas, de buscapé — e o mais aguardado: o campeonato de barcos de fogo. Taí um que eu não perderia por nada…
ARACAJU: ARRAIÁ DO POVO E FORRÓ CAJU
Já passava da meia-noite do dia 28 quando finalmente eu cheguei ao São João/São Pedro de Aracaju. Primeiro demos uma passadinha no Arraiá do Povo, um simpaticíssimo espaço montado na Orla de Atalaia que reproduz uma praça de cidade do interior.
No palco se apresentam todas as noites trios de forró tradicional pé-de-serra e quadrilhas. Foi pensado para turistas e para famílias: está perto dos hotéis, têm ênfase nas tradições juninas e espaço para dançar. Diversão garantida, sem perrengue.
Mas não deu pra ficar muito. Já estávamos em cima da hora para o Forró Caju.
Armado no centro da cidade, ao lado do Mercado Municipal, o Forró Caju é um complexo com arraial (onde se apresentam os pé-de-serra), dois palcos (para megabandas), bares (que funcionam como camarotes particulares, alugando mesas) e camarotes (governamentais e dos patrocinadores). O acesso é civilizado — e gratuito, como em todos os outros forródromos do estado.
CANINDÉ DE SÃO FRANCISCO: PRA LÁ DE BROGODÓ
Terminei minha maratona junina em Sergipe no lugar em que você deveria terminar seu tour sergipano: em Canindé de São Francisco, porta de acesso ao cânion do Xingó e cenário da novela “Cordel Encantado”, onde atende pelo nome de Brogodó.
A última noite extrapolou todos limites de fofura. Várias localidades de Canindé participam de um concurso de festas juninas: cada uma tem a sua noite.
No palco, em vez das bandas de fora das prefeituras ricas, o forró (excelente) de Sávio, um jovem sanfoneiro revelado na região.
Balanço final: tiraram o meu couro nesses quatro dias pra cima e para baixo, mas valeu muito a pena. Além de confirmar a minha intuição sobre o São João sergipano, tive minhas expectativas superadas em inúmeros momentos. E voltei com mais carinho pela terra da ala paterna da minha família.”
Para saber mais acesse: www.viajenaviagem.com